Uma fábula

Três horas da tarde, ante sala do Diretor Administrativo de grande empresa qualquer. Esta é fictícia mas poderia não ser. Entra o Gerente Geral, pede à secretária que ali estava para ser anunciado ao Diretor, isto acontece, a autorização é dada, depois de algum tempo.
O gerente entra na sala do diretor e o seguinte diálogo se desenrola:-
- Boa tarde, senhor diretor.
- Sim? O que quer?
- Queria informar que tem uma torneira junto à parede do prédio, perto da entrada do estacionamento, que está jorrando água, está quebrada.
- Sim, e daí? Mande arrumar.
- Já providenciei mas está difícil porque na realidade não é somente trocar a torneira.
- Como assim, porque não?
- É que a torneira estourou por causa da batida que foi dada na coluna do prédio, o que deve ter ofendido a viga superior, deslocando-a, o que forçou a estrutura da instalação hidráulica quebrando o cano condutor, bem junto à junção com a torneira.
- Batida, que batida? Alguém bateu na viga do prédio?
- Exatamente. É bem no ponto em que os carros passam para entrar e sair do estacionamento. Sabe aquele ponto no final do prédio, praticamente junto ao muro? Ali o caminho faz uma curva e é muito estreito mas é o único caminho para poder se chegar ao subsolo. Eu disse, quando estávamos discutindo a planta do prédio com o arquiteto, que aquele espaço de passagem era muito pequeno mas ninguém me deu ouvidos. O senhor próprio na época disse que eu estava falando bobagem.
- OK. Mas e daí?
- Daí que carros pequenos passam, com certa dificuldade mas, passam. Com veículos maiores a coisa é complicada. Eu não tenho certeza mas acredito que foi um dos carros de bombeiros que bateu na coluna.
- Carro de bombeiros? O que o carro de bombeiros veio fazer aqui?
- Apagar o incêndio no subsolo, ora essas.
- Incêndio no subsolo? Que incêndio? Porque não me avisaram disto?
- Eu estava numa correria danada, sem tempo para vir até aqui. Liguei para a sua secretária e ela disse que o senhor estava ocupado e tinha dado ordens para não ser incomodado de jeito nenhum. Ela disse que o senhor teria dito: "Me interrompa apenas se o prédio estiver ruindo mas, lembre-se energúmena, com tempo para que eu consiga sair. Em outras situações, nunca, de jeito nenhum".
- Está bem, está bem! - disse o diretor já aos berros - Voltemos a questão do incêndio. O que houve? Como iniciou? Vamos, vamos, rápido, seja breve, não gosto de perder tempo. Vocês ainda acabam me deixando louco com esta incompetência toda.
- Eu acho que o fogo iniciou por causa da explosão mas, tenho cá as minhas dúvidas.
- Explosão? Que explosão? Como ocorreu?
- Consultei o Gerente de Manutenção, que consultou o Departamento de Engenharia que consultou o Departamento de Administração. Eu sabia que o senhor iria me inquirir sobre todos os acontecimentos e que sempre quer todas as informações. Nós ainda não temos um quadro claro a respeito do porque que ocorreu a explosão mas já sabemos como ocorreu.
- Há é? Como ocorreu?
- Na realidade ocorreu porque a batida do caminhão de bombeiros foi mais forte do que pensávamos. A quebra da coluna onde ele bateu gerou um efeito em cascata na estrutura do prédio forçando as vigas do lado sul, estourando-as e isto fez com o prédio todo se inclinasse para aquele lado.
- Você não está meio perdido nesta questão de sul e norte? Seja mais claro e mais conciso. - disse o Diretor, como sempre já mostrando sinais de irritação.
- É, pode ser, estes pontos geográficos (sic) sempre me confundiram um pouco.
- Está bem, está bem, o que causou a explosão?
- Como lhe disse. Existem controversias. Eu acho que, com a inclinação, o piso do terceiro andar, no lado sul do prédio, estourou. O senhor sabe o que tem no terceiro andar do lado sul, coisa que eu também fui contra quando discutíamos a planta do prédio?
- Sim, os computadores. o CPD da empresa, e daí?
- Bom senhor diretor, aquilo é pesado prá caralho então, como o piso rachou, abriu-se um rombo e a central de processamento, aquilo que chamam de CPU, que é a mais pesada, desceu prédio abaixo. Todos os pisos sob ela não resistiram o impacto de modo que a dita cuja foi parar apenas no subsolo, onde fica o estacionamento dos gerentes. Felizmente ninguém morreu nos 5 andares do trajeto.
- Sim mas, e a explosão?
- Ai é que está. A explosão não teria ocorrido se todos aqui seguissem normas. O Gerente administrativo, que é meu subordinado, sempre insiste neste ponto mas ninguém dá bola, inclusive o senhor,
- Como assim, o que isso tem a ver com o peixe, digo, com a explosão?
- O senhor sempre coloca o seu carro na primeira vaga que encontra, mesmo que lá esteja uma placa informando de quem é vaga. O senhor nunca respeita as placas e sempre que chegamos temos que estar mudando prá lá, mudando prá cá, por sua causa.
- Esta bem, está bem mas e a explosão?
- A explosão não teria ocorrido se a vaga do estacionamento não estivesse ocupada por um carro e que este carro não fosse à gás.
- ?
- Explico melhor. O Freitas está de férias portanto a vaga de estacionamento dele estava vazia. O senhor chegou e, como sempre, colocou o seu carro na primeira vaga que encontrou. O senhor sabe qual vaga era essa que o senhor colocou o seu carro?
- A do Freitas, presumo. Mas e a explosão?
- O senhor sabe em que posição do prédio se encontra a vaga do Freitas?
- Não, não sei.
- Exatamente debaixo do CPD, exatamente onde a CPU caiu, exatamente sobre o seu carro, que estava no lugar errado e que, por ser a gás, explodiu.
- O que, meu carro explodiu? O meu carro? - aos gritos - Vocês são uns incompetentes mesmo.
- Não só explodiu como foi ele que começou o incêndio que está difícil de ser controlado. Isto está me deixando preocupado.
- Até que enfim, só agora percebi os sinais de tua preocupação. - Disse o Diretor irônicamente.
Toca o celular do gerente. Ele atende.
- Sim, Sim, Sim. Está bem. Eu aviso. - Desliga o celular.
Diz ao Diretor:
- Foi a sua secretária no celular. Ela me ligou lá de fora, já saiu do prédio. Como o senhor disse para ser incomodado apenas se o prédio estivesse ruindo ela esperou até agora para avisá-lo. Eu vim com o mesmo objetivo. Queria vir a tempo de podermos sair sem risco mas, como o senhor fica só fazendo perguntas, demorei muito nas explicações e agora não podemos mais sair pela porta, o fogo já chegou até aqui. Agora só nos resta a janela vamos antes que todo o prédio caia. Daí será pior.
Fim da fábula.
Utilizei muito esta fábula em treinamento gerencial. É dedicada a todos as pessoas que têm poder numa empresa ou numa repartição e que são centralizadores e se julgam como o centro do universo. Dão ordens e mais ordens, mas apenas isto. São apenas eles que sabem. Não precisam de colaboração, são arrogantes, para eles todos os demais são incompetentes e todo mundo é dispensável. Geralmente a sua frase preferida é a seguinte:- "de pessoas insubstituíveis, o cemitério está cheio". Segundo eles próprios, eles não precisam da colaboração de incompetentes portanto, de ninguém. Trabalhar em grupo é besteira assim como é besteira qualquer coisa que ele não saiba ou não conheça. Pessoas assim são, geralmente, autoritárias que dirigem na base do medo. A não ser alguns puxa-sacos de plantão (este tipo de chefe adora puxa-sacos), todos os demais subordinados não gostam de ir até ele para sugerir alguma coisa. Têm medo e portanto, só vão ao diretor quando chamados e geralmente, para levar bronca.
Ora, poder-se-ia dizer: Segundo a fábula o Diretor tinha razão porque na realidade, o Gerente foi muito incompetente. Sim, com certeza, foi mesmo. Esta é outra coisa que se deve ao comportamento do diretor porque, quem procede da forma como ele procede, nunca têm subordinados competentes porque ele mata todos no nascedouro, ninguém pode brilhar mais que ele. Desta forma, só os incompetentes se sujeitam a se manter como seus subordinados, daí a qualidade do gerente geral.
Esta fábula é de minha lavra e foi feita com base num artigo que li. Escrevi-a há muito tempo atrás (bota tempo nisto). Na época, dediquei-a a um Diretor que tive que era exatamente como personifiquei o diretor da fábula. Agora atualizei (quando escrevi não existia celular, a secretária entra correndo na sala do diretor para avisar que o prédio está ruindo). Esta pessoa foi o último chefe que tive porque sai da empresa. Não aguentei. Montei meus futuros negócios de forma própria, uns deram certo outros não mas, nunca mais fui subordinado de ninguém. Não queria correr o risco de encontrar pessoas como aquela. Ele sabe de quem estou falando, não sabe, "seu" Mário? He He He.
Quantos "chefes" você conhece que são assim? Com certeza você já teve um assim, eles existem aos montes. É uma praga dificil de extirpar. Devem ter vindo juntos com a criação das capitanias hereditárias e nunca mais se foram. Multiplicam-se como ratos. A única arma que uma empresa tem contra eles é o treinamento. Ele pode localizar, dentro das empresas, pessoas com tendências a se tornarem isto e modifica-las, aproveitá-las melhor, é o único caminho para se livrar deles mas é difícil. Se você tem um chefe assim e não pode combatê-lo afaste-se, procure outro emprego. Se você tem subordinados que se comportam como ele treine-o para que mude, se não conseguir fazer isto, ponha-o na rua, porque é necessário extirpar o cancro, a sua empresa agradece.

6 Responses so far.

  1. Unknown says:

    Como sempre seus textos são uma delícia de ler.
    Já tive chefes assim.
    Mil beijos e muita paz.

  2. Anônimo says:

    Demorei mais cheguei!!!!!!!!!!!!

    Vim agradecer seu comentário brilhante na noticia Transtorno Infantil.

    Muito Obrigado!!
    Em breve voltarei com uma surpresa...

    Questionadora


    __________________________________

    Esse seu texto está perfeito.

  3. Anônimo says:

    Ótimo texto!!! Me lembrei também de um chefe assim... foi o meu último chefe também. De lá pra cá, não trabalhei mais para ninguém, resolvi seguir minha vida e apostar mais em meus negócios e cá estou, vivendo e aprendendo a cada dia!
    Um grande abraço!

  4. Anônimo says:

    jefinho - to feliz de ter saido de um "ninho de cobras" como disse o arqueiro - cheguei em primeiro lugar em menos de 15 dias com comentarios bem superiores e com textos proprios - fui expulso por que ninguem me desbancaria a nao ser que eu quisesse. o pessoal é fraco. eu fiquei com nojo disso. sorte jefinho mas o dithtt nao vai muito longe. abraços

  5. Unknown says:

    Amigo, adorei. Parece um conto de Kafka. bjs

  6. Acho que todos já tivemos chefes e líderes assim. Realmente, é um excelente texto para treinamento gerencial!