O Julgamento da Velhinha



A sala do juri estava lotada. Um burburinho sem fim tomava conta dos sons no ambiente. Os jurados já se encontravam nos seus lugares e, assim como todas as outras pessoas, aguardavam a chegada do Juiz.
Todas as cadeiras destinadas à platéia estavam ocupados e as pessoas aguardavam ansiosamente o início do julgamento da velhinha.
O processo que seria julgado tratava-se de um crime que acontecera já havia mais de um ano e desde então não deixou de ser assunto na comunidade. Todo mundo comentava o ocorrido e todos, sem exceção, queriam saber o que, efetivamente, tinha se passado no dia do crime, quando a velhinha, agora com noventa anos, havia descarregado um revolver com 7 balas em um rapaz, então com 23 anos.
O crime comovera toda a comunidade em função de ambos os protagonistas do acontecimento serem muito queridos por todos.
O morto, um rapaz que estudava História numa Universidade em uma cidade próxima, era filho do Sr Azargão - pessoa influente na cidade por que era dono de praticamente a metade dela - que não se conformava com o acontecido. Ele e sua mulher, Florinda, tentaram de todas as formas conversar com a Dona Eleutéria, a criminosa, para descobrir as razões daquele ato insano mas, todas as tentativas falharam porque Dna Eleutéria não negava que havia dado todos aqueles tiros no rapaz mas, de forma alguma, mesmo com ameaças que o Sr Azargão fazia, dizia as razões que a levaram fazer aquilo.
Dona Eleutéria viera de São Paulo de mudança para a cidade coisa de mais de sessenta anos atrás. Fora transferida como professora para dar aulas de matemática no único colégio da cidade.
Dona Eleutéria demonstrou ser uma pessoa muito competente naquilo que fazia e logo caiu nas boas graças de praticamente todos os moradores os quais passaram então a considerá-la como um ícone de decência, competência, civismo e amor incondicional ao próximo.
Quando ela fez 33 anos casou-se com o único alfaiate da cidade. O felizardo chamava-se Mário e era uma pessoa tímida, de poucas palavras e de ações que, de tão pausadas, chegavam a enervar seus interlocutores quando ele se dispunha a explicar ou contar alguma coisa, fosse o que fosse.
Dona Eleutéria e o marido formavam então um par estranho. Ela falante, saltitante, novidadeira e motivada pela vida, contrastava com a figura de Mário, quieto demais, devagar demais, calmo demais e depressivo demais.
O tempo passou e, embora não fosse muito difícil de prever, o casamento dos dois acabou doze anos depois de ter começado porque Mário, sem que ninguém saiba porque até hoje, matou-se com um tiro no ouvido, tornando-se a primeira pessoa a cometer suicídio na história da cidade.
Para Dona Eleutéria o choque foi brutalmente inesperado e doloroso mas, ela suportou a dor com galhardia. Chorou muito mas, com classe quase com nobreza até.
Mais de uma vez ela disse aos mais chegados que sentia uma mágoa muito grande do marido ter feito o que fez pelo fato dele não ter confiado nela e, consequentemente, não ter revelado os problemas que tinha para que ambos os enfrentassem juntos e com isso evitassem o ato extremo que ele cometeu.
Ela não se conformava, a princípio, de jeito nenhum mas, com o passar do tempo perdoou Mário e sempre rezava para que ele tivesse encontrado o que ansiava procurar. Não esqueceu do homem que amava mas, já não sofria tanto com a ausência dele.
O tempo passou, a idade chegou e junto veio a menopausa que reduziu um pouco o fogo que Eleutéria sentia entre as pernas quando lembrava daquele que a desvirginou e que foi o único a vê-la na sua intimidade.
Com o avanço da idade este fogo reduziu-se mas não acabou mesmo que ela estivesse com 90 anos agora. Frequentemente, excitava-se quando lembrava das cenas tórridas que tivera com o marido.
As vezes ela chegava a pensar em ter outro homem em sua vida mas recuava porque não conseguia imaginar fazer aquelas coisas todas que fazia com o Mario com outra pessoa que não ele. A ideia de outro homem a pegando e apalpando lhe repugnava e isto fazia com que ela abandonasse o projeto de vir a ter um novo homem. Desta forma só lhe restava voltar para a masturbação semanal. Assim estava bom, dizia ela para si mesma.
Voltando ao tribunal percebe-se que o meirinho levantou-se e, em voz alta, pediu silêncio imediato.
Quase todas as pessoas pararam de falar mas logo as que não pararam, alertadas pelo súbito silêncio das outras, também calaram-se. Existia uma certa ansiedade no ar.
O meirinho então anunciou a entrada do juiz e pediu que todos ficassem em pé no que foi prontamente obedecido.
Uma porta abriu-se no fundo da sala e o juiz entrou e dirigiu-se à sua mesa. Sentou-se e depois de acomodado, com uma voz grave, pediu a todos que sentassem e mantivessem o silêncio.
Depois de algum tempo, quando autorizado pelo juiz, o meirinho leu em voz alta:

Conforme a lei em vigor, anuncio a abertura do julgamento da Senhora Eleutéria dos Passos Figueira acusada de crime de assassinato contra o senhor Pedro Luiz Azargão. Para que todos saibam, informo que a ré alega motivo justificado para ter cometido o crime e pede, como a lei lhe faculta, clemência deste tribunal para que não lhe seja imputada pena de prisão. Senhor juiz, senhores jurados, que Deus os ilumine e os faça capazes de aplicar a lei com justiça.

O julgamento começou com as demarches de praxe. Tanto a promotoria como os advogados de defesa apresentaram uma série de testemunhas que foram ouvidas pelo juri.
Dona Eleutéria, se encontrava numa mesa bem a frente e impassível, assistia o andamento do processo.
Ao final da tarde o julgamento encaminhava-se para o seu esperado resultado que era a condenação da velhinha já que, em momento algum, foi apresentado algum argumento que pudesse fazer com que a coisa revertesse a favor dela.
O advogado de defesa, sentindo que a vaca estava indo para o brejo de vez, aproveitou uma brecha e pediu ao juiz para aproximar-se dele para uma conversa. O juiz a princípio deu a entender que não queira a conversa mas, meio a contragosto, aceitou e pediu que ele se aproximasse e, em seguida, fez um gesto para que o promotor fizesse a mesma coisa.
- Advogado - disse o juiz - não estou gostando da maneira como o senhor está conduzindo as coisas. O senhor está fazendo do meu tribunal um circo e isto não admito, o senhor me conhece muito bem. O que o senhor quer falar comigo?
- Desculpe meritíssimo, não foi esta a minha intenção.
- Está bem, advogado, qual foi então a sua intenção?
- Na realidade, eu luto para que a ré não seja sentenciada e, como eu disse nos apartes, a promotoria não tem argumentos definitivos para isso.
- Calma lá advogado - disse o promotor que até então ouvia tudo com ar divertido - a base da sua defesa está em argumentar que a ré teve um motivo justificado para ter cometido o crime mas, até agora, não se viu nada disso.
- É isso mesmo advogado - disse o juiz - é isto que eu chamo de circo. Se o senhor acha que os jurados não vão condenar a velhinha apenas porque ela tem 90 anos e é muito querida na cidade acredite, eles não farão isto porque eu não vou deixar. Afinal de contas não podemos esquecer que ela cometeu um crime torpe e já deveria estar presa por isto há muito tempo.
- Entendo Sr juiz - disse o advogado - a minha defesa se baseia no motivo que a Dona Eleutéria diz que tem mas ela não revela para ninguém que motivo é este.
- Caramba advogado - disse o juiz - então, se é assim, vamos encerrar, não há mais nada a dizer.
- Um minuto só meretíssimo - disse o advogado - foi por isso que eu pedi para falar consigo.
- Está bem prossiga - diz o juiz.
- Eu falei agora com a dona Eleutéria. Expus a situação para ela e disse que a coisa toda está fora de controle e, deste jeito, ela será condenada. A única saída será ela revelar o motivo do crime imediatamente.
- Hum - resmungou o juiz.
- Hum - resmungou o promotor com um risinho de escárnio.
O advogado fez uma pausa e deu um suspiro. Pensou com ele mesmo: "Ainda vou dar uma porrada neste filho da puta. Vou fazer ele engulir este risinho, vai ver só.
- Senhor advogado - disse o juiz - eu não tenho todo o tempo do mundo. Se o senhor não sabe, tenho um julgamento para concluir e espero conclui-lo o mais cedo possível, apesar do senhor.
- Esta bem meretíssimo - disse o advogado - O que eu preciso é que o senhor permita que eu chame a minha cliente para depor. Eu sei que isto não é comum mas é a única saida que tenho.
- De jeito nenhum - disse o promotor - já foi dada esta oportunidade e não foi aceita pelo senhor. Agora é tarde, a sua última testemunha já foi ouvida e o processo está finalizado. Só lhe resta a argumentação final.
- Meretíssimo - disse o advogado - ainda bem que o promotor não consegue influenciá-lo facilmente porque o senhor é pessoa de opinião portanto, gostaria que o senhor considerasse a hipótese da ré depor. Acredito que, depois que isto acontecer, o senhor irá me dar razão.
- Advogado - disse o Juiz - o senhor conhece os motivos que ela teve para perpetrar o crime?
- Não, não conheço, disse o advogado. Eu não faria isto com o senhor.
- Muito bem - disse o juiz - acredito que o senhor não saiba. O senhor sempre foi um advogado responsável, é jovem e pretende continuar advogando aqui na cidade, pois não?
- Sim - respondeu o advogado - com certeza. Efetivamente, não tenho outra saída. Conto com sua benevolência.
- Esta bem, advogado - disse o juiz - concedido. Pode chamar a ré para depor. Vamos ver o que dá. Até eu estou curioso para saber que motivo é este que ela tem.
- Mas - disse o promotor - isto não é correto.
- Bom - disse o juiz - se não era correto, agora é. Vamos em frente.
Advogado e promotor se afastaram e tomaram seus respectivos lugares. Logo após ter sentado, o advogado de defesa inclinou-se para a ré sentada ao seu lado e lhe sussurrou algo no ouvido. A ré ouviu e mais de uma vez fez sinal com a cabeça dizendo que tinha entendido e que concordava com o que ouvia. Depois de um tempo bastante pequeno o advogado afastou-se da ré e, ficando em pé, dirigiu-se ao tribunal.
- Meretíssimo juiz - disse ele - chamo para depor a senhora Eleutéria dos Passos Figueira, ré deste processo, para depor.
Ouviu-se um forte burburinho dos presentes na sala.
O juiz, com autoridade, pediu silêncio e disse:
- Esta bem advogado, moção aceita.
O promotor fez menção de apartar mas, face o olhar severo do juiz, desistiu.
- Meirinho - disse o juiz - chame a depoente.
O meirinho levantou e, em voz alta anunciou a convocação da ré para se dirigir a mesa das testemunhas para depor.
A ré levantou-se e vagarosamente dirigiu-se para o lugar indicado. Sentou-se calmamente e só então dirigiu o olhar para as pessoas que estavam na sala. Seu olhar percorreu a sala toda como se estivesse querendo cumprimentar um a um. Quando seus olhos encontraram os do Sr Azargão mantiveram-se firmes e foi ele quem desviou o olhar por primeiro. Quando terminou o passeio visual pela sala fixou o olhar no juiz e fez um sinal de agradecimento.
- Muito bem, dona Eleutéria - disse o juiz - Eu concordei com o seu depoimento porque, pela lei, todos tem direito a mais ampla defesa possivel. Quero, no entanto, a que a senhora entenda que está tendo um privilégio concedido por este tribunal assim, gostaria que fosse objetiva e perfeitamente clara com relação ao que irá dizer.
- Esta bem Meretíssimo - disse a ré - agradeço, entendo e antecipo que, quando subi até aqui, já tinha isto que o senhor disse como parte dos meus objetivos na tarefa que me aguarda.
- Advogado - disse o juiz olhando para a defesa - a depoente é sua.
O advogado de defesa levantou-se, aproximou-se da ré e, dirigindo-se a ela, disse:
Dona Eleutéria, eu disse ao meretíssimo juiz que a senhora iria revelar as causas que fez com praticasse o crime matando o jovem Azargão. Desta forma, gostaria que a senhora fizesse isto agora para que todos a ouçam e avaliem as suas razões.
- Esta bem - disse a ré - Vou tentar. Estou meio constrangida mas, acredite, vou tentar. Eu gostaria, senhor juiz - disse dirigindo-se ao juiz - que tivessem bastante calma porque, como todos os presentes que me conhecem sabem, eu tenho tendência a detalhar os fatos de maneira a não deixar dúvidas daquilo que digo e isto, às vezes, pode ficar longo.
- Não tem problema dona Eleutéria - disse o juiz - temos tempo.
- Obrigada - disse a ré - no entanto, acho que consigo ser breve.
Dona Eleutéria novamente vagou seu olhar pela sala toda e ao terminar adotou a melhor pose austera que tinha e disse:
- Pois bem, meus amigos. Eu vivo aqui na cidade há mais de 60 anos, como todos sabem. Aqui eu consegui tudo o que tenho e foi aqui que encontrei o amor da minha vida, o meu saudoso esposo, Mário que Deus o tenha em seus braços.
Ouviram-se algumas expressões de concordância na platéia e o juiz pediu silencio. Eleutéria continuou sem dar mostras de que havia sido interrompida.
- Foi aqui que fiz os melhores amigos que tive e ainda tenho, eu sei. Foi aqui que ajudei e fui ajudada sem reservas, sem cobranças mas, por um acaso do destino, foi aqui que cometi o maior pecado da minha vida que foi a tirar a vida de uma pessoa.
Na platéia ouviram-se gritos com palavras de apoio e de revolta. Algumas pessoas ficaram em pé e aplaudiram e outras, também em pé, apuparam a velhinha.
Dona Eletéria mais uma vez manteve a magestade e, antes do juiz, pediu silêncio a todos que, sabe-se lá porque, obedeceram e se sentaram.
- É claro - continuou Eleutéria - que eu não teria feito o que fiz apenas por fazer. É claro que eu tive motivos muito fortes para isto e, se me permitirem, vou revelar agora o que ocorreu naquela tarde, quase noite.
- Por favor dona Eleutéria - disse o juiz - seja mais objetiva, por favor.
- Desculpe meretíssimo - disse a ré - estou tentando.
- Esta bem - prossiga - disse o juiz - estamos todos ansiosos.
- Naquele dia eu acordei com um estranho pressentimento. Não consigo explicar bem o que era mas parece que eu sabia que iria ocorrer algo especial, algo que iria mudar a minha vida. Eu apenas sentia que algo iria acontecer e, positiva como sou, me preparei para receber algo bom.
Novo burburinho na plateia e novo pedido de silêncio do juiz.
- Fiz muitas coisas na minha casa, era sexta-feira e este dia da semana sempre foi especial para mim. Nas sextas-feiras, quando Mário era vivo, nós sempre inventávamos um programa qualquer. Saíamos para passear. Íamos ao cinema ou ao teatro na cidade vizinha. Geralmente bebíamos um pouco (vinho principalmente) e depois, quando chegávamos em casa, praticávamos bastante sexo. Eu sempre fui uma mulher insaciável e Mário, em termos de sexo, de calmo não tinha nada, era um amante fantástico. Depois da morte de Mário, fiquei sem o que de melhor eu tinha da vida. Foi difícil, muito difícil mas, superei. Só consegui isto porque fiz da sexta-feira o meu dia, mantive o encanto das sextas-feiras. Nas sextas-feiras eu me preparava para o Mário como se vivo ele estivesse. Tomava um banho demorado alí por volta das cinco horas da tarde, já que ele fechava a alfaiataria as 6:30. Usava um creme de pele e um perfume da mesma fragrância, botava uma roupa provocante e sentava-me na varanda para esperar ele chegar. Mesmo depois que o Mario morreu, as vezes, eu até chegava a pensar que o Mário viria até a mim aquele dia mas isto não acontecia porque, eu sabia, Mário estava morto. Depois de um tempo eu ia para dentro de casa, para o meu quarto, tirava minha roupa e me masturbava até cansar. Quando já não tinha mais forças, dormia o sono dos justos e esperava ansiosa a próxima sexta-feira.
Novamente a plateia se manifestou. Deu para ouvir gritos de "sem-vergonha", "puta" e "velha safada" no meio de outras expressões de apoio junto com palmas e batidas de pés no assoalho de madeira.
Mais uma vez o juiz interveio severamente e exigiu silêncio sob pena de mandar esvaziar a sala. Bem igual ao que ocorre nas cenas de tribunais de filmes americanos.
- Por favor, dona Eleutéria - disse o juiz - continue.
Pela maneira de falar e pela entonação das palavras do juiz, algumas pessoas entenderam que era um sinal de que a velhinha o havia tocado e que o juiz tornara-se partidário dela.
- Está bem meretíssimo - disse a velhinha - Naquele dia eu fiquei sentada na varanda coisa de duas horas. Quando desisti e ia levantar o rapaz chegou. Eu já o conhecia porque ele tinha sido meu aluno particular de matemática quando era menino. Como sabem, depois que me aposentei, eu engordava a minha aposentadoria dando aulas particulares. Os pais do Pedro me procuraram certa feita dizendo que o menino estava mal de notas e que precisava de reforço. Pedi alto, pagaram e então aceitei o aluno. O menino não era brilhante, aprendia com certa dificuldade e não escondia que não gostava de matemática. Não era sua praia como ele próprio dizia. Aquele reforço então continuou até quando Pedro concluiu o segundo grau e, até onde sei, após isto, ele foi para a faculdade estudar história. Quando era menino....
- Dona Eleutéria - disse o juiz - atenha-se aos acontecimentos daquele dia, por favor. O rapaz chegou e então?
- Desculpe - disse Eleutéria - acho que me perdi um pouco. Ele chegou pelo portão, abriu-o e entrou pela calçada de pedra que tenho. Me cumprimentou e sentou-se ao meu lado. Estranhei a visita inesperada mas o cumprimentei também. Falamos de diversas coisas e ele sempre sorria para mim e me olhava de forma diferente.
Neste momento a mãe do rapaz levantou-se de sua cadeira e gritou:
- Sua desclassificada. Esta querendo dizer que o meu filho teve um romance com a senhora? Ora bolas, olhe-se! A senhora já está morta e não sabe! Basta deitar para...
- Dona Florinda, cale-se - disse - o juiz - A senhora não tem o direito de interromper a depoente. Entenda que, caso seja necessário haver interrupções eu as faço. Estamos entendidos? Sente-se, por favor - dirigindo-se a depoente disse - Dona Eleutéria, por favor, prossiga mas, peço de novo, seja concisa.
- Esta bem senhor juiz - disse Eleutéria - vou tentar.
Novamente os olhos de Eleutéria correram por todo o ambiente. De forma altiva e confiante, ela continuou sua narrativa.
- Quando dei conta de mim o rapaz já havia encostado a coxa dele contra as minha e colocado sua mão direita no meu joelho esquerdo fazendo leve pressão. Estranhei aquela atitude inesperada por parte dele e, quando tentei afastar sua mão, ele disse: 'É isso mesmo que quer?". É claro que eu não queria mas era preciso. Eu disse que sim, que queria que ele tirasse a mão da minha perna mas, ele deu um sorriso maroto e começou a subir com a mão em direção à minha vagina de forma lenta mas objetiva, carinhosamente. Imediatamente senti fogo entre as pernas e uma enorme dificuldade para me conter e fazer com que ele parasse. Estava tão bom que, institivamente, procurei facilitar para ele abrindo um pouco as pernas. Ele percebeu meu gesto e então avançou mais chegando onde ele queria. Foi fantástico ter aquela mão acariciando a minha vulva de forma delicada e muito sensual. Tentei acaricia-lo também mas ele não deixou. Tentei beijá-lo mas ele também não deixou. Decidi então permitir que ele fosse mais longe um pouco e ele foi. Quase gozei, foi por pouco. De repente me lembrei onde estávamos e achei que não era conveniente porque poderia passar alguém na rua que iria acabar nos vendo. Pedi a ele que entrássemos e ele disse que entraria desde que eu tirasse minha calcinha. Tirei e então entramos.
Havia agora um silencio sepulcral no recinto do tribunal. Parecia que todos estavam anestesiados pela revelação da ré que percebeu isto e corou levemente.
- Prossiga dona Eleutéria - disse o juiz.
- Esta bem - disse Eleutéria - Depois que entramos eu havia decidido que ia fazer sexo com aquele rapaz. Mário que me perdoe - disse para mim mesma - mas chegou a hora, a tão esperada e ansiada hora. Seja o que Deus quiser. Desta forma então convidei o Pedro para irmos ao meu quarto ele concordou e, pegando minha mão, me conduziu ao quarto de maneira delicada. Tentei beija-lo e acaricia-lo mas ele não deixou e disse: "Calma, calma, chegaremos lá". Me acalmei, estava dificil mas, me acalmei. Não via a hora daquele homem me possuir de todas as maneiras que eu gosto. Era incrível mas, com ele eu não tinha pudor algum assim, fiz menção para tirar toda a minha roupa mas ele disse que não e, com um risinho maroto pegou com as duas mãos nas minhas bochechas e disse: "Tolinha, você sabe que dia é hoje?". Eu disse que não e ele, rindo e gritando disse: "Sua velha tonta, te peguei, hoje é Primeiro de Abril". Ele ria solto e agora me olhava com um olhar malvado. Quase cai e não sabia o que fazer. O maldito continuava rindo, rindo e eu, morrendo de vergonha não sabia onde enfiar a cara, não sabia para onde fugir. O que faço, meu Deus? - pensei comigo mesma. - O que faço?
O tribunal estava em completo silencio. As pessoas olhavam para a velhinha e sentiam pena dela muito embora alguns se contivessem para não rir.
- Continue, por favor dona Eleutéria, continue - disse o juiz.
- Esta bem, senhor - disse a ré - Eu não podia mais ouvir o riso daquele filho da puta, com todo respeito dona Florinda mas, o seu filho foi muito filho da puta - disse dirigindo-se à mãe do rapaz.
- Lembrei-me então - continuou a ré - que o revolver do Mário, com o qual ele suicidara me tinha sido devolvido pela perícia quando o caso foi encerrado. Eu sabia atirar um pouco porque Mário me ensinou então, não tive dúvidas, fui até a cômoda que estava atrás do Pedro que ainda ria, peguei o revolver e antes que o Pedro visse o que estava acontecendo, atirei nele. O primeiro tiro fora nas costas e o acertou no ombro, logo abaixo da clavícula. Com isso, Pedro virou-se e agora não ria mais, estava, isso sim, com cara de quem iria chorar mas, antes que ele tentasse me pedir perdão ou coisa que o valha para evitar a sua morte, atirei mais seis vezes no filho da puta. Ele caiu ao chão em agonia mas logo ficou imóvel e quieto mas, mesmo assim, eu ouvia e ainda ouço até hoje o som das suas risadas. Sei que ele deve estar agora gargalhando no inferno e que logo irei me encontrar com ele, embora não tenhamos conta alguma para acertar.
Todos os presentes, juiz, advogado, promotor e jurados estavam atônitos com o que acabaram de ouvir e demoraram a se manifestar até que alguém da plateia gritou pausadamente:
- Filho da Puta, filho da Puta ...
Outras pessoas da plateia entraram na onda e, em coro, gritavam também o refrão, agora acompanhado de batidas de almas e de saltos dos sapatos no assoalho de madeira:
- Filho da Puta, filho da Puta ...
O Juiz quase se traiu e entrou no coro também mas, a tempo, se conteve. A bagunça tinha se instalado na corte. As pesssoas gritavam o refrão geral ou algum outro particular mas, ninguém ficava quieto.
O juri também sofreu influência do ambiente e alguns jurados ficaram em pé e bateram palmas de forma desenfreada e alucinada. Não se sabia para quem eram as palmas mas, pela alegria geral, se podia deduzir que as mesmas eram para dona Eleutéria.
Dona Eleutéria estava atônita com os acontecimentos depois que encerrou a sua narrativa. Estava feliz porque tinha botado para fora o que estava engasgado mas gostaria que aquelas coisas não tivessem acontecido, teria sido melhor assim.
De repente, para ela, fez-se silêncio. Ela via que a movimentação das pessoas continuava no tribunal mas não conseguia ouvir nada. Sentia apenas uma espécie de torpor tomar-lhe todo o corpo e uma paz serena invadindo-a e elevando-a.
Na confusão alguma coisa a fez olhar para o fundo da sala do tribunal e, quando fixou o olhar naquela direção, pensou ter visto o Mário. Olhou de novo - era ele pensou, é ele, meu querido Mário, meu amor.
Sem que fosse atrapalhado por ninguém, Eleutéria viu que Mário chegou até ela e disse:
- Querida, venha comigo .
- Para onde? Você está morto, você não pode me levar.
- Você também está morta querida ou melhor, acaba de nascer. Venha comigo.
- Morta, eu? Tá maluco?
- Não querida, não estou maluco, vim para te buscar, é chegada a hora. Temos a eternidade para nós, venha.
Eleutéria deu a mão para o Mario segurar e deixou que a levasse. Quando olhou, mais de cima, para o tribunal viu que seu corpo estava caido junto a mesa de depoimento e que diversas pessoas tentavam reanimá-la, sem sucesso. Algumas destas pessoas choravam e faziam comentário com as outras que chegavam perto.
Pelas mãos de Mário, Eleutéria foi conduzida por caminhos que ela não conhecia. Viu muitas pessoas mas quase nenhum conhecido. Logo adiante o caminho fazia uma curva abrupta e ela viu Pedro, de relance, conversando com algumas pessoas mal encaradas. Ele olhou para ela mas deu a entender que não a conhecia. Eleutéria falou para si mesma: "Ele continua com aquele olhar de quem não estava entendendo nada do que se passava quando o matei".
Dona Eleutéria segurou mais firme a mão de Mario, ignorou Pedro solenemente e seguiu o seu caminho junto com o seu amado. Era tudo o que ela queria e ela não via a hora, estivesse onde estivesse, que chegasse a próxima sexta-feira.